Ressaca

Posted: segunda-feira, 8 de junho de 2009
Meu olho corre*
Fato e foto
Nos grafos dessa luz
Que encantam meu afeto
Último ístmo
De onde parto e naufrago
No estribilho
- realismo é arte ultrapassada -
Sussurado por desconstrutivismos
Agarrados no costão
Lavado pela maré que vaza

À margem dessa trilha,
Vejo-me cindida,
Sargaço sem mar
Bóio em jogos,
Correntes gramaticais,
Coberta por nuvem
Carregada de signos,
Significantes cinzas,
Sinais sem sujeito

Amanheço em solidão afásica,
Desnaturada, afundo
Versos e poemas na ponta dos remos
E a língua em aclive, gagueja
Se poesia é a liberdade
Da minha linguagem
Por que escrevo com medo de errar?

Erguem-se abrigos, casebres pós-modernos
Onde vivo solta à beira de abismos
Presa, por um fio, nas algas narrativas
Entrevistas como dejetos
E experimento prazer na falta de ar

Diante da perda de referenciais,
Afogo, no vórtice das calamidades,
Rima, ritmo, métrica, tema
E os leitores desamparados
Que me acusam.
Um diz ser o excluído
Do umbigo com que escrevo
Outra reclama ver prosa
Nas imagens - meu desejo de poema

Sem piedade, cometo heresias.
Quebro-me para ser capaz de andar
Sobre júbilo múltiplo
Pós - tudo, aguerrida
Tropeço em Barthes e Derrida,
Chuto Foucault
E adeus, Delleuze

Minha nostalgia - Âncora e brecha,
Resgata-me. Nado pelo meio,
Atavesso a ressaca
De olho na palavra encarnada,
Falo em silêncio,
Agarro-me à letra,
Alcanço o porto sem cais
Minha única saída



Imagem: Foto de Marco Antonio Cavalcanti - publicada em O Globo Online

*Fui ler Água e Sal e voltei ardida pelo soneto e pela imagem,
culpa do Henrique que escreve tão bem.


₢ Beatriz M. Moura
Compulsão Diaria
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5 comentários:

  1. Marcos Pontes 8 de junho de 2009 às 17:30

    Vê-se um poema entre o desabafo e a exasperação da escritora que anseia não apenas a compreensão do escrito, mas a unanimidade. A primeira aspiração é legítima e de quase todos os escritores; a segunda é utópica, por isso não deve tirar o sono da autora ou de qualquer autor.

    Leio um poema elaborado, com referências diretas e indiretas, palavras escolhidas a dedo para a aliteração e o sentido e subtexto rico, que interpretei a meu modo no parágrafo acima.

    É um poema forte que viaja na poesia moderna - não a moderna de 22, mas a de hoje, pós-moderna e sabe-se lá que nome receberá dos literatos - não em concordância ou repulsa, mas numa flagrante admissão de que não a compreende. Também não a compreendo, como não entendo a sede pelas imagens, pelo não dito e, em alguns casos, principalmente de poetas mais jovens, pelo maldito.

    A poesia não é classificável como um bicho ou uma planta que tem reino, classe, espécie e filo. Muito menos a poesia moderna. Ela não tem lei de estruturação e nem é soldadinho pra seguir fileira. Ela é viva, sim, dinâmica e mais camaleônica que os camaleões. Seguir o rastro da poesia na esperança de encontrar sua morada é para os técnicos, mas esses, via de regra, cometem péssimas poesias na hora de praticá-las. prefiro evitar as armadilhas e poder seguir o rebuscamento, como você fez aqui, ou o instinto quando melhor convier.

  2. Joe_Brazuca 9 de junho de 2009 às 11:15

    ...ainda assim é belíssimo !...Insisto no belo, no sonoro, é meu mote, carma e suporte.
    Sem elogios baratos e palmares, ainda insisto na estética ou "inestética" e na compreenção de, onde termina o sujeito enquanto indivído [racional, laborioso, técnico, lógico, determinista e explanativo] e começa o poeta-personagem-alter ego [devaneio, sensibilidade,transcendência,multifacial,imponderável]...
    Quem, afinal de contas, constroi a dialética e descosntroi a poética ?
    Sinceramente, não me preocupo com nada que não me atinja diretamente do estômago, como um punch de direita, quando se trata de poesia, pois tenho para mim que ela, a poesia é ferramenta de corte, não se sutura...

  3. Joe_Brazuca 9 de junho de 2009 às 11:16

    é ferramenta de corte, não de sutura, digo...

  4. Beatriz 9 de junho de 2009 às 15:26

    Marcos,
    Sim é um poema pessoal. Ainda não me livrei minha poesia das contingências. Só não quero que meu poema seja egocêntrico. Se está devo melhorar. Não quero ser uma poetisa-ego. Quero aprender a ser o outro, impessoal, sem nome, apenas palavra na palavra. Saber usar a linguagem. Quanto ao desejo de unanimidade, vc exagera. Meu desejo é o de todo artista (será que sou?) o de ser querido, amado e saber que seu trabalho serve pra alguma coisa. Sou apaixonada pelas palavras desde muito pequena. Gosto de tomar porre de palavra, porres verbais. . Por isso às vezes falo palavras que nem existem e vc ri. É que elas têm música e eu escuto essa música e me perco por isso.
    Sobre a “sede pelas imagens” vc nota uma tendência atual. A poesia de hoje é busca pela imagem. Um crítico disse que a poesia hoje é uma “caixinha de imagens”. Mas, sofro a influência. Do meu tempo.
    Eu gostaria de encontrar o rastro da poesia. Não entendo qdo vc diz que isso é pra técnicos. Pra mim é pra quem se apaixona pela língua e se achar ao trilha segue com gosto. Eu seguiria se achasse. Qdo vc fala de rebuscamento, gostaria que me apontasse onde vê isso na minha Ressaca. Muito obrigada pela leitura e pela crítica. Assim que sempre quis o Poesia Aberta.

    Hey, Joe!

    Vc me lê sempre com generosidade. Busco a sonoridade e se o ouvido de um músico como vc a escutou, então isso me faz contente. O problema é ter música, imagem e ser sem sentido.
    A crítica da poesia moderna – se é que o que se discute aqui é poesia – é mesmo muito difícil. Quem é capaz de “ler” a nova poesia? Se partimos do desconstrutivismo, fragmentário caótico... então vale tudo? Vc diz não! Só vale se atingir. Foi o que nos primeiros versos de ressaca eu disse. E agora? Se o realismo da fotografia da ressaca me afeta? E ele é ultrapassado?
    Aí mandei ver e – em plena ressaca ainda – me cortei. Cadê a sutura? Às vezes, arisco o erro e preciso de sutura. Algo que me faça pensar.

    Bom a discussão pra mim continua. Qdo pensei com Marcos neste espaço era pra isso. Então, agradeço a leitura generosa. E te pergunto: o que vc quis dizer com “ainda assim é belíssimo”?;)


    Abraços e beijos gerais

    Bea

  5. Joe_Brazuca 9 de junho de 2009 às 17:56

    Ainda que tenha seus devaneios incertos...
    Ainda que possa cair em desassocego íntimo, por buscar uma forma que não transgrida ou o contrário...
    Ainda que se prenda ou pretenda se desprender dos rótulos dessa ou daquel forma...
    Ainda que jogue com seu íntimo, e não faça uma poesia não-personal ( daí acima pergunto onde termina o ego, e onde começa a personagem...)

    Ainda, e acima de tudo, à mim, soa o belo, e me pega pelo estômago, não pra te agradar ou a quem quer que seja, mas pq realmente sinto !

    Se é dificil de enteder o que digo, veja isso com a emoçao, não aquela caduca e piegas, mas deixe-se ouvir as harmonias intrinsecas ( deixe por um instante o racional de escanteio, por favor...) :

    "...Minha nostalgia - Âncora e brecha,
    Resgata-me. Nado pelo meio,
    Atavesso a ressaca
    De olho na palavra encarnada,
    Falo em silêncio,
    Agarro-me à letra,
    Alcanço o porto sem cais
    Minha única saída..."



    Olha, Bea...tenho cá minhas cismas que tais versos não vem do cerebro...vem do espaço !!!

    E, se vc ou outrem quem quer que seja, não sentir e perceber e ouvir o belo ( seja ele o que e como for...isso é outra estória...)
    nesses versos, então, por favor, exterminem a poesia, pois pra nada servem mais...

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