Na minha cidade as calçadas são montanhas
Escaláveis a cada passo
As pessoas conversam alto
Nos passeios matinais
Na minha cidade as ruas viram rios
Nas enxurradas de verão
E descem em cascatas as barrancas
Das margens das avenidas
Na minha cidade as árvores sobrevivem
A pão e água arrancados à força
Pelas raízes do solo estéril
Os violões andam mudos
E as gargantas afiadas
As conversas são truncadas
E as fofocas irradiadas
Na minha cidade os homens expõem o sexo
Nas jogadas de quadris como jangadas em vagas
E as mulheres carregam o sexo
Exposto e à vista nas testas nuas
Os botequins são mais e ganham menos
Que as igrejas proliferadas nos becos
Que rescendem a mijo e festas
Enquanto ainda ribombam os ecos dos tambores
Na minha cidade as lembranças são novas
E o futuro é como o de bebês que não o sabem
Nada se planeja para além do almoço
E nada mais se lembra depois da cachaça da noite
As pedras, pós e ervas proliferam nas vielas
De garotos amarelados e meninas prenhes
Onde não entra a justiça fardada ou a divina
E o que se usa agora são pedaços de planos
Na minha cidade senhoras caminham apressadas
Em moletons e tênis rasteiros, pulmões escondem
A artificialidade líquida dos cosméticos noturnos
Pressa ensaiada para antes do Sol nascer, vampiras
Funcionários públicos não funcionam
Pastores não pastoreiam ovelhas desgarradas
Médicos acusam Hipócrates de simplista pobre
E os pais dão os filhos para a escola criar
Na minha cidade estão os amigos espalhados
Do subúrbio pobre é escuro aos jardins podados
Dos bancos da praça às carteiras dos bancos
Inocentes ignoram meus insultos
©Marcos Pontes
Paisagem urbana real, crua. Espelho de muitas - quem sabe quase todas - cidades desse páis onde o que é público é tão maltratado.
Vc não os insulta, vc grita contra desmandos.
Gostei do poema e gosto da cidade com calçadas montanhosas;))
na sua cidade
na minha cidade
na nossas cidades
nas cidades de todos
só está faltando um coisa (básica):
ser cidadão, pra acabar com a escuridão.
(vamos trocar um pouco ?)